TEORIA GERAL
DA EMPRESA: EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA – EIRELI
O Código Civil Brasileiro,
promulgado em 2002, apesar de ter tramitado no Parlamento de 1975 até 2001 e,
tendo sido considerado por alguns críticos como o “Código que já nasceu velho”,
trouxe, segundo o professor Miguel Reale (apud
Schneider revistadoutrina.trf4.jus.br), “novos paradigmas para acompanhar a
evolução histórica da sociedade com o advento de soluções tecnológicas e
científicas à altura da cultura de nosso tempo”.
Inspirado no Código Unificado
italiano, a novatio legis trouxe,
entre outras, a figura do empresário, nos termos no art. 966 do Título I, do
Livro II como sendo aquele que exerce profissionalmente atividade econômica
organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Dessa forma, a figura
do empresário individual apresentou-se com responsabilidade ilimitada, ou seja,
uma só pessoa física, pessoalmente, assumindo os riscos do negócio exercendo,
em nome próprio, atividade empresarial e integralizando seus próprios bens para
explorar a atividade pretendida, não havendo separação jurídica, nem mesmo com
relação às dividas, perante credores, contraídas para o exercício da respectiva
atividade.
Exercer a atividade
de forma individual, assumindo a álea do negócio e submetendo a totalidade de
seu patrimônio a ela, revelou-se uma forma não atrativa aos pequenos
empreendedores que, em virtude disso buscavam blindar seus patrimônios formando
“sociedades de fachadas” ou fictícias, sem a affectio societatis, onde uma única pessoa detinha 99% do capital e
outra apenas 1% enquadrando-se assim nas regras das sociedades de
responsabilidade limitada.
Essas manobras de
indivíduos, aptos a desenvolverem seus próprios negócios, trazia ao legislador,
uma preocupação no sentido de possibilitar o exercício da atividade empresarial
de forma transparente e mais segura tanto para o empreendedor quanto para a
sociedade e também para o Direito Empresarial, privilegiando, assim, o
princípio da função social da empresa que traz desenvolvimento socioeconômico
na medida em que há circulação de riquezas.
Assim, diante de situação
incompatível com a realidade empresarial, o legislador respondeu de forma
positiva com a edição da Lei 12.441/2011, trazendo dispositivos legais para que
o empresário individual exerça sua atividade respondendo, de forma limitada,
caso tenha que enfrentar o insucesso empresarial.
Nesse diapasão,
considerações acerca da novatio legis
serão traçadas, afim de que seja possível apontar os aspectos da inovação
legislativa denominada EIRELI.
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO COMÉRCIO
Ab
initio, importante
discorrer, sem a pretensão de esgotar o assunto, sobre a evolução histórica do
comércio, suas modificações, ao longo das várias fases em que o homem foi
protagonista da sua própria evolução.
O comércio sempre ocupou papel importante
na evolução da humanidade, haja vista o fascinante consumismo que não se
restringe ao mundo moderno.
A atividade mercantil, hoje
entendida a nível global e com a ajuda dos mais diversos sistemas tecnológicos,
facilita a aquisição de bens e serviços transformando, esse tipo de atividade,
de forma a se tornar inimaginável o mundo sem transações mercantis.
A evolução histórica do comércio aponta que
nos tempos primitivos, não havia excedentes de produtos que fossem objetos de
troca, uma vez que os produtos se destinavam apenas a subsistência dos grupos
sociais.
Com o crescimento das populações
e o desenvolvimento das relações humanas, através dos grupos nômades, a troca
dos excedentes tornou-se uma atividade bastante intensa.
Na Grécia, onde se praticava um
comércio à base de costumes, pode-se perceber, através da lei escrita, o
aparecimento dos primeiros contratos entre mercadores, porém, somente a partir
da Idade Média é que se pode considerar o surgimento de legislação comercial
especial, ou seja, o surgimento formal do Direito Comercial.
Paulatinamente, o homem
destacou-se como a principal figura na história da evolução das atividades
comerciais, criando moeda, Bancos, Bolsa de valores e diversas formas de
circulação de riquezas, interligando, assim, povos e culturas.
Diante desse cenário, novos
horizontes foram sendo conquistados e, a atividade comercial deixou de ser
baseada na figura apenas do comerciante passando a ser conceituada pela prática
dos atos do comércio, alcançando a todos que praticassem atos tanto no comércio
quanto na indústria.
As mudanças diante das
circunstâncias pelas quais passou o comércio e, consequentemente, o Direito
Comercial, divide sua evolução em fases históricas desde a Idade Média,
passando pela Idade Moderna e culminando na Idade Contemporânea.
Em que pesem todas essas
mudanças, o que se pode observar é o reflexo dos acontecimentos sociais e
políticos de cada fase na utilização das Regras pelo homem em suas relações,
sejam elas comerciais ou empresariais.
No Brasil, pode-se traçar a
história do Direito Comercial, a partir da chegada da família real vinda de
Portugal, havendo a abertura dos portos, o estabelecimento de manufaturas,
fábricas e a criação do Banco do Brasil.
Até ser sancionado o Código
Comercial Brasileiro, em 1850, as relações jurídico-mercantis obedeciam às leis
cristãs, portuguesas, espanholas e francesas. Mais tarde, por volta de 1960
houve a aproximação com o Código Italiano unificado, tendo como núcleo a
empresa.
Em 2002, com a finalização do
Código Civil Brasileiro, ocorreu a transição do Direito Comercial Brasileiro
para o Direito Empresarial englobando, além do comércio, qualquer atividade
econômica organizada, para a produção ou circulação de bens ou serviços. A
partir desse conceito, surge então a atividade empresarial que poderá ser
exercida de forma coletiva ou individual figurando, neste caso o empresário
individual de responsabilidade ilimitada, principal elemento responsável pela
atividade empresarial, detentor de direitos e obrigações para o exercício da
profissão.
2. A RESPONSABILIDADE ILIMITADA DO EMPRESÁRIO
INDIVIDUAL
Segundo Fábio Ulhoa Coelho (2007,
p.63), “empresário é a pessoa que toma a iniciativa de organizar uma atividade
econômica de produção ou circulação de bens ou serviços. Essa pessoa pode ser
tanto a física, que emprega seu dinheiro e organiza a empresa individualmente,
como a jurídica, nascida da união de esforços de seus integrantes”.
Com o intuito de auferir lucro,
na atividade a ser desenvolvida, o empresário reúne, de forma organizada, um
complexo de bens que irão propiciar o desenvolvimento e o exercício da sua
atividade gerando entre outras coisas circulação de riquezas.
Para Coelho (2007, p.96) esse
complexo de bens dá-se o nome de Estabelecimento Empresarial,
é o conjunto
de bens que o empresário reúne para a exploração de sua atividade econômica.
Compreende os bens indispensáveis ou úteis ao desenvolvimento da empresa (...).
Trata-se de elemento indissociável à empresa.
A partir da referida leitura objetivando
a análise do empresário individual no direito positivo brasileiro, têm-se que a
fim de desempenhar sua atividade com objetivo lucrativo, também organiza um
conjunto de bens para desenvolver sua atividade, porém utiliza-se de bens próprios,
ou seja, integraliza bens próprios à exploração da atividade pretendida, sendo
o empresário nessa modalidade a própria sociedade.
Isso se dá em virtude do direito civil brasileiro ter adotado o
princípio da unidade patrimonial, significando que tanto a pessoa física quanto
a jurídica são detentores de um único patrimônio e que, não há divisão entre os
bens da atividade empresarial e os bens pessoais.
Destarte, essa situação acaba por
se confundir quando diante de um insucesso o credor venha pedir a constrição
dos bens para quitação de dívida, seja ela de natureza pessoal ou relativa à
atividade empresarial onde todos os bens serão executados em virtude de não ser
possível haver desmembramento; é a chamada responsabilidade ilimitada.
Código Civil Brasileiro:
Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações
respondem todos os bens do devedor.
Código de Processo Civil:
Art. 591. O devedor responde, para
o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros,
salvo as restrições estabelecidas em lei.
Fica claro que a responsabilidade
ilimitada impõe um ônus, um desestímulo ao exercício de empreendedor individual
na medida em que não delimitando perdas, no caso de fracasso, estimula também a
celebração de “sociedades de fachada”, pois muito embora possam ser vistas como
uma alternativa à blindagem patrimonial, pois a responsabilidade se dá de forma
limitada em função das cotas de cada sócio acabam, também, ensejam reflexos
indesejados ao empresário.
Desta feita, o legislador com o
objetivo de incentivar a formalização de atividades, que ou ficavam na
informalidade ou recorriam a subterfúgios fictícios para não terem o patrimônio
executado, inovou em 2011 trazendo a lei 12.441 que instituiu a empresa
individual de responsabilidade limitada.
3. EMPRESÁRIO INDIVIDUAL DE RESPONABILIDADE
LIMITADA – EIRELI
Nas palavras de Fábio Ulhoa
Coelho (2007, p.64) “a empresa pode ser explorada por uma pessoa física ou
jurídica. No primeiro caso, o exercente da atividade econômica se chama
empresário individual; no segundo, sociedade empresária”.
Em 11 de Junho de 2011 foi
sancionada a lei 12441 que passou a prever, no Código Civil Brasileiro, a
figura da empresa individual de responsabilidade limitada:
Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade
limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital
social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100(cem) vezes o
maior salário mínimo vigente do país.
Em que pese o legislador ter
utilizado a expressão empresa individual de responsabilidade limitada, vale
ressaltar que a responsabilidade limitada será do empresário, visto que empresa
tem como conceito a atividade desenvolvida por ele, sujeito de direitos e
obrigações.
Como já explorado no item
anterior, diante do anseio tanto dos empresários quanto do próprio Direito
Empresarial, o legislador ao inserir essa figura nova, com limitação da
responsabilidade, facilita a formação do pequeno empreendedor, intenção já
prevista no art.970 do CC:
Art. 970. A lei assegurará tratamento favorecido,
diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário (...).
Por certo, essa nova modalidade não poderá
ser confundida com o empresário individual nem tampouco com a sociedade
empresária, trata-se de um novo ente jurídico personificado.
3.1
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA NOVATIO LEGIS
Constituída por uma única pessoa
titular da totalidade do capital social (art. 980-A CC), A EIRELI surpreende ao
ser incluída no rol das pessoas jurídicas de direito privado (art.44 CC), visto
que não se trata de sociedade mas sim de uma espécie de “pessoa jurídica
unipessoal”.
Segundo o enunciado 469 da V
Jornada de Direito Civil “A empresa individual de responsabilidade limitada
(EIRELI) não é sociedade, mas novo ente jurídico personificado” (www.stj.jus.br).
Sendo assim, como pessoa jurídica
terá patrimônio próprio, independente do patrimônio de seu titular que terá
responsabilidade limitada ao valor do capital social integralizado, conforme
previsto para as sociedades limitadas.
Código Civil Brasileiro:
Art. 1052. Na sociedade limitada, a
responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos
respondem solidariamente pela integralização do capital social.
Em relação ao capital social,
este não deverá ser inferior a 100 (cem) salários mínimos, o que a principio
poderá restringir a constituição da EIRELI por pequenos negócios, porém a
referida lei também visa desestimular fraudes trabalhistas como a demissão e
recontratação, imediata, dos mesmos empregados na busca de diminuir custos de
mão de obra.
Código Civil Brasileiro:
Art. 980-A. A empresa individual de
responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da
totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior
a 100(cem) vezes o maior salário mínimo vigente do país.
O nome empresarial deverá ser
formado pela inclusão da expressão EIRELI e, seguindo a regra do §6º, no caso
de omissão, a responsabilidade será ilimitada.
Código Civil Brasileiro:
§
1º O nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da expressão
"EIRELI" após a firma ou a denominação social da empresa individual
de responsabilidade limitada.
§ 6º Aplicam-se
à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras
previstas para as sociedades limitadas.
Vigente, a referida lei propiciou
também a chamada “transformação de registro” contemplando, independentemente de
liquidação ou dissolução, a possibilidade de passar de um tipo para o outro.
Código Civil Brasileiro
§
3º A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da
concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio,
independentemente das razões que motivaram tal concentração.
Art.
1.033:
Parágrafo
único. Não se aplica
o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese de
concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira, no
Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do registro da
sociedade para empresário individual ou para empresa individual de
responsabilidade limitada, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113
a 1.115 deste Código.
Destarte, respeitados os
requisitos legais para as devidas transformações e, assim produzindo seus
efeitos, os direitos dos credores pré-existentes não poderão ser prejudicados.
CONCLUSÃO
Todas
as considerações, acerca da Novel Legislação 12.441/2011, faz com que sejam
evidentes os diversos ganhos com sua promulgação, não só para o empresário como
também para o Estado e toda a sociedade.
Contemplando o empresário com a
responsabilidade limitada, para que assim não veja constrangido e executado seu
patrimônio pessoal em caso de insucesso empresarial, age como vetor que
movimenta, de forma positiva, a economia privilegiando o princípio da função
social da empresa, na medida em que empresários saindo da informalidade geram
desenvolvimento e riquezas com a circulação de bens e serviços.
Para o Estado, que passa a
exercer seu papel de forma mais presente criou-se a possibilidade de arrecadar
seus tributos de forma mais transparente extinguindo com as sociedades de
fachada onde empresários individuais se viam obrigados a celebrar contratos de
sociedades, criadas somente com o intuito de blindarem o patrimônio sem que
houvesse a affectio societatis.
Esse
novo instrumento, se utilizado de forma ampla dará impulso para que mais
empresas sejam iniciadas movimentando a economia, gerando progresso e contribuindo,
entre outras coisas, com a estabilidade social do país.